A Lei nº 15.071/2024, sancionada pelo presidente Lula, altera legislações anteriores do Programa Mover, facilitando a importação de veículos e autopeças e equiparando o tratamento tributário para pessoas físicas e jurídicas. O objetivo é estimular tecnologias limpas e produtos inovadores. O programa oferecerá R$ 19,3 bilhões em crédito financeiro às empresas até 2028. Além disso, R$ 60 bilhões serão investidos em pesquisa e desenvolvimento no setor automotivo nos próximos cinco anos, segundo a Anfavea.
Para repercutir os impactos do Programa no setor automotivo, incluindo autopeças, Ronilson Martins, coordenador de SPD no FI Group, consultoria especializada na gestão de incentivos fiscais e financiamento à Pesquisa & Desenvolvimento e Inovação (P&DI), nos concedeu uma entrevista.
Balcão Automotivo – De que forma o Programa Mover pode beneficiar as empresas de autopeças?
Ronilson Martins – Inicialmente, é interessante relembrar que o Mover é um programa do Governo Federal, criado em substituição ao Rota 2030, que objetiva o desenvolvimento sustentável da indústria automobilística brasileira, focando em incentivar o desenvolvimento de tecnologias, inovação e eficiência energética para promoção da mobilidade sustentável no País. Para cumprir este objetivo, o programa concede incentivos à realização de atividades de P&D por meio da concessão de crédito financeiro cujo retorno base será correspondente ao valor de 50% dos investimentos em PD&I, podendo chegar até 320%. Além disto, há a possibilidade de fruição do Regime de Autopeças Não-Produzidas, que consiste na redução do imposto de importação para 2% quando se tratar de importação de autopeças sem similaridade nacional.

Vale a pena destacar que, especificamente para empresas que se habilitem visando o desenvolvimento de projeto de relocalização de unidade industrial, também haverá a possibilidade de geração de crédito financeiro com base no imposto de importação para aquisição de unidades industriais, linhas de produção, células de produção, equipamentos e aparelhos para controle da qualidade do processo. Para o caso de exportação do produto desenvolvido, haverá a possibilidade de gerar crédito financeiro sobre o valor do IRPJ e CSLL incidente sobre o lucro tributável correspondente à exportação de produtos fabricados no âmbito do projeto.
BA – Empresas de autopeças de todos os portes podem participar? Quais são as regras?
RM – Não há limitação quanto ao porte da empresa, sendo necessário apenas o atendimento dos pré-requisitos. O Programa Mover se mostra mais abrangente que o incentivo fiscal anterior (Rota 2030), permitindo que não apenas os fabricantes de veículos e autopeças participem como também as demais empresas que fazem parte da cadeia automotiva fornecendo os insumos, componentes e matérias-primas.
De forma geral, podem recorrer aos benefícios do Programa Mover as empresas da cadeia automotiva que produzam no País:
– Produtos abrangidos pelo ACE14;
– Produzam sistemas e soluções estratégicas para mobilidade e logística e seus insumos, matérias-primas ou componentes;
– Tenham projetos de desenvolvimento e produção tecnológica que visem (a) a produção de produtos ou de novos modelos existentes abrangidos pelo ACE14 ou que estejam relacionados aos sistemas e soluções estratégicas para mobilidade e logística, e seus insumos, matérias-primas ou componentes, (b) projetos de relocalização de unidades industriais, linhas de produção ou células de produção de produtos automotivos e/ou (c) instalação de unidades destinadas à reciclagem ou à economia circular na cadeia automotiva;
– Ou desenvolvam, no País, serviços de P&D ou engenharia destinados à cadeia automotiva, com integração às cadeias globais de valor.
Ao mesmo tempo, a legislação define os seguintes pré-requisitos a serem cumpridos pelas empresas pleiteantes: Tributar pelo regime de Lucro Real e ter centro de Custo de P&D; estar em situação regular quanto aos tributos federais; e assumir compromisso de investimento mínimo em P&D.
Este investimento mínimo, para 2025, é de 1,20% da receita bruta de bens e serviços relacionados aos produtos automotivos, excluídos impostos, para automóveis e comerciais leves, 0,75% para caminhões, ônibus, chassis com motor, máquinas autopropulsadas e implementos rodoviários e 0,45% para autopeças e sistemas ou soluções estratégicas para mobilidade e logística. É importante ressaltar que o percentual de investimento em P&D é progressivo ao longo dos anos.
BA – Como os créditos recebidos pelas empresas participantes do programa podem ser utilizados?
RM – Do ponto de vista contábil, a empresa habilitada solicitará a compensação ou ressarcimento do crédito financeiro calculado via preenchimento dos formulários disponibilizados pela RFB (Receita Federal do Brasil). Este formulário deverá ser entregue na unidade da RFB mais próxima para formalização do PER/DCOMP (Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação).
Há expectativa de que as empresas reinvistam os créditos financeiros do Mover para promoção do seu próprio P&D, por meio da contratação de mão de obra qualificada, na própria qualificação dos colaboradores participantes dos projetos de P&D, expansão e modernização de sua infraestrutura de testes e produção, parcerias com universidades, centros de pesquisas ou ICTs, contratação de terceiros, geração de patentes, etc.
Inclusive, percebe-se que umas das intenções do Programa Mover é fomentar a diversidade de investimentos de P&D, concedendo um adicional no percentual do crédito financeiro calculado. Reforço, apenas, que cada empresa tem sua própria política de reinvestimento em P&D ou estratégia interna, sendo particular e individual esta decisão.
BA – Qual é o impacto econômico e ambiental dessa legislação para o setor automotivo e para as empresas que desejam acessar esses benefícios?
RM – Há uma expectativa de que o Programa Mover ajude o Brasil a cumprir seus compromissos com a descarbonização do planeta e com o enfrentamento às mudanças climáticas. Para isso, há uma série de desafios a serem superados visando a descarbonização no País. A implementação de novas indústrias e tecnologias é um processo lento e que precisa de investimento em outros setores, como energia e meio ambiente, para que a infraestrutura seja adequada e suporte a entrada e consolidação das novas tecnologias no mercado e País. Acredito que as expectativas por parte das empresas do setor estão bem alinhadas com as próprias diretrizes definidas pelo Programa, as quais cito abaixo:
Estímulo à Inovação: Incentivar as empresas a investirem em pesquisa e desenvolvimento, bem como em novas tecnologias que melhorem a eficiência e a qualidade de produtos e processos.
Desenvolvimento Sustentável: Promover práticas e tecnologias que contribuam para a sustentabilidade ambiental, como o uso de energias renováveis, a redução de emissões de carbono e a gestão eficiente de recursos naturais.
Competitividade Setorial: Fomentar o desenvolvimento e a modernização de setores estratégicos da indústria, como o automotivo, de energia, tecnologia da informação, entre outros.
Internacionalização: Incentivar a internacionalização das empresas brasileiras, promovendo parcerias e acordos comerciais que ampliem o alcance e a competitividade no mercado global.
BA – Quais avanços tecnológicos e de pesquisa e desenvolvimento são esperados com o programa Mover?
RM – Do ponto de vista tecnológico, espera-se que as empresas habilitadas invistam no desenvolvimento e disseminação de novas tecnologias para eletrificação da frota de veículos no País. O próprio programa estimula este aspecto por meio da concessão de adicional de crédito financeiro para as empresas que desenvolverem tecnologias de propulsão avançadas e sustentáveis e eletrônica embarcada, tais como baterias para veículos com propulsão elétrica ou hibrida, célula de combustível de hidrogênio, motores a combustão interna a hidrogênio, sistemas destinados à condução autônoma de veículos e máquinas autopropulsadas, abrangendo tecnologias de sensoriamento, navegação, comunicação, segurança cibernética e monitoramento remoto, para citar alguns exemplos.
Não devemos esquecer que a eletrificação da frota de veículos exigirá investimento na infraestrutura instalada do País. Segundo estudo do Sebrae, a infraestrutura é um dos principais obstáculos que impede a adoção em massa de carros elétricos no Brasil. Isto ocorre pelo fato deste tipo de veículo precisar ser carregado regularmente, porém a rede de carregamento no País ainda é muito limitada.
Outro fator importante está relacionado à infraestrutura de descarte das baterias que servem como fonte de energia para propulsão dos veículos elétricos. Em um primeiro momento, pode-se ter a ideia de que a concepção e popularização dos carros elétricos são inofensivos ao meio ambiente, porém a reciclabilidade e descarte das baterias é um critério importante a ser considerado.
Desta forma, verifica-se que o Programa Mover visa mitigar grande parte das problemáticas citadas por meio da possibilidade de que empresas que fabriquem ou desenvolvam produtos como sistemas e soluções estratégicas para mobilidade logísticas, assim como seus componentes, insumos e matérias-primas, sejam beneficiadas pelo programa, como, por exemplo, para fabricação de postos de carregamento de baterias. Além disto, é previsto uma modalidade de habilitação para que empresas instalem, no País, unidades destinadas à reciclagem ou à economia circular da cadeia automotiva, em troca de créditos financeiros ou incremento dos créditos por meio do desenvolvimento de tecnologias de propulsão avançada.
Fonte: Balcão Automotivo